FORA DE CENA, ALTO LÁ COM ISSO!!!!!
C orria o ano de 1962 quando o nosso conterraneo João Abrantes teve uma pausa nos afazeres teatrais que então ensaiava como vida , e veio passar o inverno á sua terra natal, o Luso, Era um homem novo de idade e de ideias que trazia consigo a dinâmica do palco , por isso não perdeu tempo em ressuscitar o grupo do Ginásio, um clube da altura , hoje nuitos anos de morto lhe pesam sobre a memória dos que a têm , esquecido das novas gerações que dele não tem notícia . Mas é ainda um resto de saudade para alguns, eu ou o Rocha entre esses, que passamos horas a relembrar os tempos que não se extinguiram como estes tempos modernos em que um simples ministro declara pela própria lingua pátria que o tempo deixou de existir ou, mais explicitamente, existe para essa remessa nova de vespas da politiquice cana de pesca onde se vegeta a vida , mas não para professores que ensinam aos meninos e não só como será ou seria o futuro de um país. Vai daí o João Abrantes que depois veio a optar, melhor, a seguir a vida dos hoteis, tenho a certeza que não a de vocação mas de recurso , tal e qual como mais tarde se veio a sacramentalizar por decretos dando mais ou menos por sorteio o futuro de cada um aquilo que lhe sai na rifa do imprevisto, sobretudo aos mais fragilizados que mal tem dinheiro para chegar ás universidades, quanto mais para investirem em exlicadores de ensino e de preparação de exames, fora os dos domingos , feriados e dias santos, que essas costumam ir pelas vias de off-shores e outras regalias a que o sacrificio de servir reinos e republicas dá direito absoluto. Como ele , o João Abrantes repito, para não perdemos o fio ao diabo da meada, trazia do Parque Mayer uns ensinamentos actualizados para fazer revistas, não da crónica feminina nem da flama ou século ilustrado que era o que havia na altura, mas revistas verdadeiras feitas no Parque Mayer ás escondidas do monstruoso Salazar que, comparado com os santinhos dos nossos dias era um herege mau cheiroso e só não "mamava" umas criancinhas ao pequeno almoço porque não autorizava comunistas nas repartições publicas. Eu próprio, pouco depois quando acabado o meu curso de dia de semana, ao tempo não havia conhecimento dos cursos tirados aos domingos, feriados e dias santos de guarda, tive que declarar, apesar das minhas dúvidas sobre o que era coisa de comunismo, que o não era, nunca teria sido se tivesse conhecimento dele e que no futuro o repudiaria com todas as minhas forças porque era assim que era, era assim que mandava a lei do Cerejeira e dele próprio, Salazar pai da Nação.Faço questão de esclarecer que não estou a dizer que os mandantes de hoje são piores ou melhores que os de ontem, quanto muito serão a mesma coisa , em certas coisas melhores, em certas coisas piores , isto porque Portugal foi e será sempre um país desiquilibrado, ou oito ou oitenta como diz o povo, mas tal fenomeno dava-nos na altura assim como aos actores verdadeiros donde vinha afinal o João, um certo prazer ao fazer teatro e até ás vezes se pensava que a bem dizer até esclareciamos de certa maneira o povo com as piadas fora do carimbo da censura, pois neste mundo há e haverá sempre arte e magia para trocar as voltas ás palavras. Bom, fosse como fosse o João Manuel mostrou o seu projecto e aderimos de imediato e entre umas ceias arranjadas no Ginásio, ou em casa dele, exactamente do outro lado onde prenderam o Alvaro Cunhal,ou na rua Formosa à Pia que ainda o não era na altura , mas que também servia de apoio ás peças , sobretudo porque escreviamos os quadros em cima dos pipos do pai do Rocha, e matavamos a sede no espicho para obter inspiração. Entre mim , a Fernanda Santos, o Federico de Brito, o António Rocha e o João , dito Manuel ou Abrantes ou as duas coisas juntas, fizemos a prosa e adaptamos a musica da Corina Freire á versalhada que fui fazendo dia a dia.Arranjamos os artistas, às vezes com muitas dificuldades porque não se passava a libertinagem de então como se passa agora, o contexto era o da janela e o abraçar só nos bailes do 1º e Dezembro o outro clube da terra que ao sábado os organizava sempre com casa cheia.No fim, ficou um único problema por resolver, o da censura, como diabo ia-mos fazer passar um texto inédito para uma revista provonciana na malha apertada das lapiseiras censórias que eram novidade na altura. Refiro-me ás lapiseiras, claro, porque a censura era velha, já estavamos habituados a ela, o D.João !! utilizou-a e não esteve com meias medidas, cortou a cabeça a todos. e o Marquês de Pombal fez o mesmo á tosse que veio de alguns. Ainda não havia tarrafal , apesar de tudo uma coisa mais levezinha que as guilhotinas reais e qua ainda fazem falta em dose mais moderada.Deixamos o caso para pensar e começamos os ensaios, ora na sala do Casino, a mesma que agora os donos não emprestan a ninguém , desde que levaram daqui o engarrafamento da água de Luso pelas estradas da Câmara da Mealhada abaixo, e a sede para Cracóvia, na Polónia, onde os impostos da CEE estão a preços de saldo. A alternativa era o cine-teatro Avenida que estava de porta aberta se não houvesse cinema , um espaço sempre disponivel para ensaios e espectáculo desde os tempos da Sociedade Agricola do Valdoeiro do Messias Batista até a minha amiga a dona Hildegarda que adorava estes artistas amadores que lhe levavam o teatro a casa. Ela morava sob a plateia do velho cineteatro e achava que a sala de espectáculos era um local de trabalho , ao contrário dos democratas de Abril que começaram a fazer cinemas novos com dinheiros da CEE e entenderam que eram bons demais para o pagode dos palcos e lá cediam a casa para o dia do espectáculo porque hes dava jeito e popularidade, mas antes, que fossem ensaiar á cavalariça de algum vizinho que não se podia estragar a sala, utilizando , ribalta , cadeiras estofadas e camarins de primeira que ainda brilhavam á luz do sol quando abriam de espanto a cegueira dos olhos ou absorviam goela abaixo orgulhosamente as palmas que lhes não cabiam na barriga, uma pacovice portuguesa de arregalar a vista á ignorância activa, Não sei se o inchar de sapo já foi de moda, mas a minha amiga Hildegarda nunca teve esses preconceitos e se agente precisava ensaiar ensaiva nem que fosse nas escadas da geral numerada ou no corredor dos camarotes velhos, algum tempo ainda forrados a setim vermelho que lhe dava um cheiro duma ópera de cidade , mas era apenas a ilusão do nosso desconhecimento que fabricava os sonhos mais espantosos! Foi ainda o João Abrantes, dito também Manuel, manhoso como os sabidos de Lisboa , que foi buscar a Cascais para o pedido da licença e para o cartaz da propaganda uma peça já censurada ," Costa do Sol em Festa" com a qual se obtiveram as autorizações necessárias para a subida á cena. Não com o titulo emprestado como seria lógico supor, mas com o próprio nome de batismo que lhe deramos e respectivos textos que nada tinham a ver com o texto autorizado . Foi assim que a revista se chamou "Alto Lá Com Isso ", uma obra prima da nossa aventura e literatice que afinal existindo, não existiu. Não melhor nem pior que outra que se levou á cena mais tarde , o "Salve-se Quem Puder " com textos feitos no burgo , desta vez passando mesmo pelo aval da censura nas barbas do fiscal , comprado por umas palavras de bom gosto e inchaço de importância que lhe conseguimos dar como se fosse rei e senhor da pandega regional. Nem os textos ,senão em alguns fragamentos dfispersos , nem gravação magnética ou digital, a segunda por não haver, a primeira pela raridade e custos do seu processamento ficaram de testemunho nesta biblia de engaços. Apenas fotografias, umas a preto outras a cores a relembrar gerações. Portanto, postas as coisas neste pé, só o testemunho escrito bebido de oralidade e algumas saudosas fotografias não pode resistir ou impedir a tentação de registar aqui o nome de todos os participantes , com desculpas para a falta de alguém que, apesar de cuidadosa procura, pode escapar involuntáriamente á nossa boa vontade.
Iª parte UM PEDIDO DE CASAMENTO, comedia em 1 acto de António Tchekhov, tradução de Correia Alves
Actores e personagens
Américo Leite :Stepan Stepanovitch Tchubukov
,Mário Penetra: Ivan Vassilyevitch Lomov
Maria Teresa Carvalho Natalya Stepanovna
IIª Parte Alto Lá Com Isso ,
Autores : Fernanda Santos,Frederido de Brito,Fernando Ferraz, António Rocha, João Abrantes.
Música de: Corina Freire
Actores: António Santos: ( Mr Bown, compere) João Malaguerra :( Zé dos Jornais,noivo,pescador,turista); Manuel Figueiredo: ( Guarda do Lago,arrais,fadista) :Maria Aurora (camponesa,noiva,varina,) Maria S.José Leite: (camponesa,mãe,) Almira Pimenta: (camponesa,noiva,peixeira); Celsa Pimenta :(romeira,noiva,peixeira,) José Balau (romeiro,sacristão,pescador,director) , Graciete Leite :(noiva,cantadeira,fadista,peixeira,) Ernesto Santos: (noivo,lavadeira,guarda,director) Fernando Ferraz:( noivo ,caiador, lavadeira, candidata a actriz), António Rocha( Serafim, Delfim,Lavadeira,Candidata a actriz) Américo Leite:(Avô, ) João Abrantes (conta a história, como bate um coração),Maria Teresa Carvalho ( Micaela). Alfama das Naus, quem vai na marcha :Maria de S.José,Graciete Leite,Celsa Pimenta,Almira Pimenta,José Balau,Ernesto Santos, Fernando Ferraz,António Rocha,Manuel Figueiredo,João Carlos,Fernando Rosa, João Malaguerra. Fonte de S.João , marcha final: Toda a companhia.
Autores: Como Bate um Coração : Nelson de Barros, e João Nobre , Na Rua dos Meus Ciumes : Fernando Santos e Frederico Valério, Fonte de S.João : Fernando Santos, Nelson de Barros, Frderico Valério.
Realização e direcção de cena de João Abrantes , Direção e execução musical de Alvaro Silva
Direção cenográfica e de montagem de Rogério Almeida , cenografia de Rogério Almeida, Fernando Rosa e João Carlos Santos,Assistência coreográfica de José Balau
Luminotécnica e sonoplastia de Joaquim ferreira e Manuel Figueiredo, jardins do 6º e 10º quadros executados por Francisco Carvalho, Ponto, Alberto Penetra,Contra Regra, Carlos de Castro, Maquinista Antero Maria, Carpinteiros de cena Plácido da Cruz e Albino Guedes,Materiais fornecidos pelas firmas ,Casa Zenith, Casa Triunfo, Farmácia Nova,Casa Ramalheira,Francisco Pereira Coelho, Manuel Abreu. Os costumes folclóricos foram gentilmente cedidos pelos ranchos Tá-Mar da Nazaré e Tricanas de Aveiro . A realização deste espectaculo só foi possivel graças á gentil colaboração de Sociedade da Âgua de Luso e da empresa do Cine-Teatro Avenida.
Espectaculos em Cine Teatro Avenida do Luso: 12,13,19,20 Janeiro de 1963 ás 21,30
No Cine Teatro Messias, na Mealhada em
Todas as sessões esgotaram a lotação.
Extrato do livro "Luso, Histórias Breves da Àgua e das Gentes"