RESISTENTES
Crónicas Locais
173-RESISTENTES
Para mim o Luso parece ter voltado ao tempo que era há cinquenta anos atrás, quando o acontecimento mais importante era durante o Inverno a passagem da camioneta das sete em direcção a Viseu e no Verão a paragem do rápido da uma da tarde que despejava arquistas que acabavam por encher as Termas. Não é saudosismo o que reside atrás desta imagem com mais de meio século de existência mas o aparente reviver dum tempo julgado definitivamente finito, ultrapassado e esquecido nos anais da consciência das gentes, melhorado que foi num período de sobrevivência económica recente que se acreditava ser caminho sem retorno. É precisamente esse retorno, essa falta de objectivos e de esperança, esse descrer nos homens e nas instituições que hoje me perpassa pela mente com laivos de retrocesso a fazer relembrar o tempo de antigamente, quando o chapéu na mão fazia parte dum quotidiano difícil e o rendimento do trabalho mal chegava para matar a fome e muito menos para adquirir conhecimentos. Sinto que se pode estar numa via de regresso e que a sociedade crescida com os sonhos de Abril se encaminha para um low cost de terceira classe como era então o terceiro assento dos comboios a vapor destinado aos desqualificados e arredados da civilização. Sinto isto na imagem dum Luso da minha meninice, donde depois por fortuna e por sorte me libertei, sem me libertar porém do tempo retido na memória e na consciência dos fenómenos sociais subjacentes.
Imagino que é contra este mesmo tempo que a gente das Termas está lutando. Contra o esvaziar que o capital, a política, a má gestão, a irresponsabilidade, trouxeram ao lugar, colocando em causa os negócios e a vida de alguns milhares de pessoas deste município e região. Estão lutando numa demonstração de força e de vontade de mudar e ver mudar alguma coisa, num lago que se mantém tranquilo e calmo como se nada tivesse acontecido, perante a catástrofe que foi o derrubar das termas centenárias. Uma concessionária que teima de forma descarada em reduzir o balneário a nada, que procura impor o esvaziamento do contrato de concessão na cabeça das pessoas através de migalhas duma fundação oportuna, que afirma ter muitos utentes quando os que se vêm são tão poucos, que poucos equipamentos utilizam das estruturas existentes na terra. Se a única riqueza que existe é a água e lhe foi subtraída a parte termal em favor do negócio da venda, como pode o Estado proprietário dar-se por satisfeito? Periodicamente faço esta pergunta claramente dirigida aos eleitos, quer locais, quer nacionais e estes nossos representantes, que afinal são os detentores pelo voto da democracia que lhes damos, calam na impotência e no silêncio os apelos das nossas justas razões.
Admiro os conterrâneos que lutam, tem razões mais que suficientes para o fazer. Sobretudo os que viveram e vivem e querem continuar a viver da parte de exploração das águas termais que desde sempre lhes coube. Enfeitaram um Luso natalício por razões evidentes.Com o carinho, a devoção, a força e o querer que os ditos eleitos não tem. Mas também com esperança na mudança e na retoma dum caminho de novo dirigido á recuperação termal, fisioterapia, quartos, equipamentos. È uma força presente, uma força que o poder tem o dever de interpretar e acompanhar que os problemas existentes são todos eles igualmente do concelho. São resistentes a lutar com dificuldade por aquilo a que eles, mas também a terra que representam, tem jus, perante a apatia dos poderes públicos e os incumprimentos permanentes do concessionário que explora a única riqueza do local gozando do apoio, em derradeira instância, dos que deviam defender esse povo e esse património. Saber ler e interpretar os fenómenos é um dever desses eleitos perante os seus eleitores, ávidos de mudanças e de actos no sentido das suas legítimas aspirações. É urgente ler esse querer, essa teimosia, essa luta, como é urgente ler o desespero e o desânimo latentes, quando não se vêm sinais do apoio que se espera.
Luso,Dezembro, 2014 àguasdoluso@sapo.pt