“NOMINA SUNT CONSEQUENTIA RERUM”
Chamemos a isto seja o que for e demos-lhe o nome de democracia das coisas ao que muitos teóricos já chamam a post-democracia, aquela que nos chama periodicamente ás urnas como se fossemos ressuscitados de quatro anos de jejum , um acto estereotipado que começa nas vésperas do dever ético do cidadão e acaba na noite dos vencedores apitando as charamelas pelos cantos do povoado. Uma democracia low cost , onde votar é uma performance psicológica que dura o espaço de tempo duma suja campanha eleitoral onde as figuras e as palavras se repetem, o comodismo se retracta, a promessa pacifica a vitima reduzindo-lhe o intelecto e capacidade e o homem se faz de herói antes de o ser num entrudo de interesses pessoais e duma classe política paupérrima a vomitar cartilhas de oportunismo perante o insucesso da obra. Barões e baronetes partidários no meio dum neo-liberalismo ressuscitado a que se submeteu conscientemente a Europa e a cultura ocidental mas que a maioria deles nem imagina o que seja ou para onde vai.
O paradoxo é que a participação do cidadão ou povo soberano , termina mesmo antes de começar, é nulo o activismo fora do bando partidário clubístico, é inexistente a clareza das ideias , dos actos e nenhuma a sabedoria . Vota-se no cidadão , no bigode ou na casaca , o mesmo cidadão que no tempo do império romano também não se discutia, impunha-se. Prometem-se paraísos entre festas pagas pela desgraça das vitimas e, findo o festim , reparte-se o benefício pela irmandade dos eleitos. Só isso justifica que Macron tenha chegado ao poder com quatro votos em cada dez franceses e á Assembleia nacional francesa com 32% por cento de votos expressos. Os actores repetem-se, as cenas bisam-se e entre nós, quatro decénios depois duma revolução para modernizar as coisas, o cenário não melhorou , temos a mesma cidadania salazarenta da ignorância e do medo. O poder cultiva o engano e o silêncio e entope as leis na justiça. Ninguém pergunta nem discute sobre os milhões de euros que a comunidade europeia nos fez chegar ás mãos a custo zero nem sobre onde os gastaram os eleitos, ou sobre as políticas que levaram o país á ruina e bancarrota, sobre a situação de miséria e fome que pesa sobre dois milhões de compatriotas, sobre a emigração dos jovens por falta de trabalho, sobre os que de mãos a abanar enriqueceram , sobre a corrupção que cheira mal por todos os cantos , entre a qual a que levou a banca nacional á ruina que nos obrigam a pagar. Porque não se faz justiça neste país de cantadores domésticos onde parece haver gente acima de qualquer suspeita? Porque não funciona a justiça para imunes? Porque estão os mesmos galos sempre nos mesmos poleiros , morgados e barões da mediocridade que temos?
Estes e outros é que são os problemas concretos e reais duma nação, os que directamente nos afectam e que todos deveríamos ouvir a discutir na praça publica , pondo em causa decisões e as pessoas que protagonizaram e protagonizam a péssima gestão. Um complot de gente e actos que nada tem a ver com os interesses comuns do povo português, cujos resultados desastrosos estão á vista. A ilusão passa de mandato em mandato, os tutores saltam de mão em mão e a natura selvagem para onde se caminha leva á sobrevivência de cada um, um salve-se quem puder!
Esta a via do neo-realismo que a queda do contrato social proporcionou arrastando uma Europa multicultural e pluralista, ética, moral e religiosamente, para um abismo. O poder que faz as coisas que a politica decide regressou aos interesses individuais, ao monopólio da riqueza, ao poder familiar, ao imobilismo , ao vazio das ideias, ao compadrio dos partidos ou da maçonaria e renunciou ao humanismo, á sociabilidade, á justiça social que caracterizaram uma via de bem estar do mundo ocidental. Hoje, o povo soberano que fez um pós-guerra de esperança, ou o povo que mais ordena das líricas revoluções cada vez mais esvaziado de conteúdo humano, como bem refere o Papa da igreja católica romana, sem direitos regulados , volta á escravatura do trabalho mal pago, quinhentos euros oferecem a Câmara de Coimbra e o Sr. Pingo, voltam á austeridade diária, à descriminação, ao desemprego , á xenofobia perante Estados que perderam a capacidade de controle sobre o reequilíbrio entre o mundo do capital e o mundo do trabalho , um novo poder que deixou em roda livre o poder da exploração, das desigualdades e das assimetrias. Alguns incluem nisto o populismo , um populismo armadilhado por uma direita xenófoba que não sabe verdadeiramente para onde ir. De qualquer modo um trabalho de meio século que o ocidente perde em meia dúzia de anos. Um trabalho que a igreja católica aproveita porque também ela bebe da mesma cultura que construiu o mundo ocidental e espalhou por algumas partes do globo.
Na França, a geringonça dos partidos perdeu a guerra. As pessoas fartaram-se das tretas, da corrupção, da falta de emprego. Das esquerdas ás direitas, foram varridos pelo novel Macron, sem apelo nem agravo.
Por cá porém o banquete continua e porque estas crónicas são preferencialmente locais , é oportuno ilustrar o que acontece todos os dias com a politicas(?) eleitorais dos nossos representantes. É assim a história simples dum amigo igual a muitas.
O meu amigo não é novo, tem netos e entre esses netos um é autista. Conheço o problema, conheço a criança e por alguma experiência e conhecimento sei quão doloroso , trabalhoso e melindroso é este assunto. E penso que o rapaz, é dum rapaz que se trata, poderia aprender a falar, a escrever, a ter amanhã uma vida quase normal com aprendizagem especializada. A família tem procurado auxilio , mas o ensino público não tem resposta e os deuses do privado, querem dinheiro, que o meu amigo nem a família tem. Por isto , esta criança amanhã , o que vai ser ou fazer? Fica a pergunta, mas devo acrescentar que não é caso único no município da Mealhada , casos que a Câmara se tem limitado a tratar em algumas reuniões de que nada resulta para lá da retórica balofa de ignorantes do assunto . No ensino oficial que lhe dão, o único professor ensina a turma ou o autista , claro que deixa o doente á sua sorte porque não o pode atender , nem está preparado para responder ao desafio que a escola lhe propõe.
O que lamento, porque sou cidadão do município, e porque estamos em pré-campanha eleitoral, é que a Câmara da Mealhada tenha 14.000 (catorze mil euros)para pagar a um cantor , 14.000 euros entre canto, músicos e comissionistas, e não passe de reuniões ensaiadas para colocar notícias em jornais na resolução dos problemas reais da população como é o caso do autismo. O que lamento é que a câmara da Mealhada, o concelho onde resido, tenha centenas de milhares de euros para gastar em festas e foguetes em prol de duvidosos objectivos e se esqueça de quem precisa.
Todos os órgãos duma Câmara se deviam envergonhar ao delapidar o dinheiro do erário público e do cidadão em decisões politicamente erradas e eticamente vazias. Primeiro a cançoneta ou primeiro a cidadania? No meu entender, isto não é política mas abuso de poder e não quero chegar ao ponto de lhe chamar corrupção, cada um julgará por si. Com o dinheiro dos outros é fácil fazer boa figura mas muito mais fácil fazer uma péssima figura. Uma figura inútil, desumana, leviana, de discutível moral. Sabendo a quantidade de festas que fazem as autarquias país fora para angariação de votos á custa do dinheiro dos nossos impostos, chamo a isto um esbanjamento abusivo da riqueza publica. Um mal licenciado pelo silêncio dum poder de governar que parece não existir e se fica pelo conforto do gesto discricionário desse poder , pondo em definitivo de parte o exercício político.
Um poder que, com a regionalização que se desenha, vai trazer um caos discriminatório ao país e ás pessoas.
ª( Titulo:Os nomes são consequência das coisas) Quinto All Mare,Génova,Maio,2017