ABRIL,42 ANOS DEPOIS
In Illo Tempore, diria Trindade Coelho, houve uma revolução que se chamou 25 de Abril. Revolução sem o ser efectivamente , á boa maneira portuguesa as coisas são e não são em simultâneo. Em 2016 passaram sobre o assunto quarenta e dois anos e se ainda há quem se lembre e comemore comodamente o movimento dos capitães, são aqueles que tomaram lugar no comboio da nova classe de políticos auto profissionalizados, de facto dos poucos que vieram a beneficiar do evento e a aproveita-lo a seu favor ao criar uma teia de partidos políticos de pouca qualidade a qual manipulam a seu gosto e interesse, uma espécie de sindicato sem lei ou uma corporação da nova era com os mesmos defeitos e malefícios duma antiga união nacional. A diferença, está no partido único oficial que a democracia substituiu por meia dúzia de novos partidos para ocupantes de idênticos lugares, os que colocam os interesses partidários e pessoais antes dos interesses do povo português. São por isso mesmo aqueles que, desde a Assembleia da República até ao mais pequeno dos municípios, se aprontam a festejar com os mesmos dinheiros utilizados pelo partido único antigamente, a efeméride, em formalidades oficiais que o cidadão vê de longe ou através das notícias das televisões. As coisas são o que são.
Mas a distância entre este cidadão e o poder é igual á distância que existia no 24 de Abril e se na demagogia da política actual a liberdade supera a civilização, eu lembrarei que a liberdade de hoje, sem liberdade económica, não existe. Quarenta e dois anos depois a fome e a caridade fazem parte dum universo que supera dois milhões de portugueses e isto é uma chaga insuperável nos festejos patrióticos que mostra á evidência o insucesso do nosso percurso político que culmina num ordenado mínimo assustador de quinhentos euros por mês, dois algarismos permanentes na taxa do desemprego, uma economia descapitalizada e frágil, um deficit público e privado que ultrapassam a razoabilidade do bom senso e bancos aspiradores dos dinheiros de todos nós, pagantes de todos os crimes de luva branca que se tem verificado nas últimas décadas. Em vez de manifestações talvez fosse preferível arregaçar as mangas para fazer melhor. E julgar alguns culpados.
Confesso que o 25 de Abril foi o sucesso mais importante da minha experiência politica como cidadão e o acontecimento pátrio que mais me emocionou enquanto vivi e acreditei no ideário herdado da generosidade dos capitães de Abril. Acreditei na democratização, na modernização da nossa sociedade, na justiça social, na honestidade política, numa transformação profunda que nos elevasse á condição da cidadania europeia na total dimensão do que era a comunidade em construção, a Europa de Jean Monnet, Schuman ou Dellors. De facto, á esperança e á bondade dos cravos juntava-se mais esta caminhada por uma integração no espaço europeu como veio a acontecer, do qual se tem recebido um substancial apoio financeiro cuja aplicação, pela parte que nos toca, tem sido mal orientada, o que nos levou á situação de bancarrota permanente que ameaça Portugal .
O amadorismo dos políticos, a corrupção, a venda e o aniquilamento do tecido económico, as negociatas escandalosas e impunes, a transformação dos partidos em seitas de clientelas e oportunistas sem capacidades nem competência, a desregulamentação duma banca que se tornou num tumor constante para a saúde financeira do país, o proliferar duma cultura do terceiro mundo por parte de canais televisivos e uma discrepância abismal cavada nos rendimentos entre ricos e pobres, atirou-nos para a mão de credores neo liberais inconsistentes e fundamentalistas.
Entre outros fenómenos da nossa sociedade como o desemprego, a nova e mais qualificada emigração para uma juventude qualificada e o impensável regresso duma sopa dos pobres para milhões de cidadãos, é o que há para comemorar? Será que se festeja o abismo, a corrupção e a falta de seriedade a que chegamos? A hipocrisia não tem de facto limites!
Luso,25 de Abril,2016 ÁguasdoLuso.blogs.sapo.pt